A catástrofe climática que assola o Rio Grande do Sul neste ano de eleições municipais pode abrir um debate nacional sobre a emergência do clima, assunto que não consta nas pautas de políticos, muito menos em debates eleitorais, a não ser como figuração. Candidatos preferem temas populares, como segurança pública, e suas soluções populistas de efeito midiático, mas de efetividade pífia. A trágica enchente no sul exibe números assustadores: 425 das 497 cidades gaúchas atingidas; quase 350 mil pessoas desalojadas (os refugiados climáticos); sem falar nas mais de 100 mortes e dos 130 desaparecidos. Pela terceira vez em menos de um ano as águas destruíram a cidade de Muçum (RS). A população dos municípios do Vale do Caí até está acostumada com enchentes e preparada para lidar com elas, mas uma a cada três anos. Em 2023, foram três enchentes de médio e grande portes. Também em novembro, as águas do Guaíba romperam o muro de contenção e alagaram a orla de Porto Alegre e as ruas mais próximas, levando a população a relembrar a histórica enchente de 1941. Seis meses depois, a inundação do Guaíba superou seu recorde histórico.O ano de 2023 foi o mais quente do planeta desde 1850. Dados do observatório europeu Copernicus mostram que abril de 2024 foi o mais quente já registrado globalmente. Este abril marcou o 11º mês consecutivo de recordes de calor na Terra. O mundo vive uma emergência climática, daí a relevância de o mundo da política pensar em propostas para mitigar seus efeitos e para contribuir com a redução da emissão dos gases de efeito estufa.As catástrofes ocorrem nas cidades, nos bairros, nas casas das pessoas. E são os eleitores das cidades que vão escolher em outubro seus prefeitos e vereadores. O debate terá de ser sobre políticas públicas concretas para ajudar a população a enfrentar as adversidades, como os alagamentos que já assustam a população de Goiânia e Região Metropolitana e que, em 4 de abril, colocou um fim na vida de Samylla Vitória, de 6 anos, em Aparecida de Goiânia, arrastada e morta pela enxurrada.Desde que o governo de Jair Bolsonaro abriu as porteiras, as boiadas vêm passando sobre a legislação ambiental em todo o país, por meio de mudanças legislativas aprovadas pelo Congresso Nacional, pelas Assembleias Legislativas e câmaras municipais. O governador Eduardo Leite (PSDB/RS) foi criticado por flexibilizar o Código Ambiental gaúcho. Em Goiás, o governo de Ronaldo Caiado, em parceria com a Assembleia Legislativa, também aprovou em junho a flexibilização de três leis ambientais goianas. O partido Rede Sustentabilidade propôs ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra a nova lei goiana. Onze entidades solicitaram ao STF para entrar como amicus curiae (amigo da corte) nesta ação: oito entidades ambientais (entre elas o Observatório do Clima e o Ibama) e três representantes da agroindústria (CNI, CNA e OCB). O relator, o ministro Cristiano Zanin, acolheu o pedido de sete das 11 entidades e incluiu na ação três representantes do setor produtivo, três ONGs ambientais e o Ibama. O debate que devia ter ocorrido na Assembleia agora acontece no STF.Até a enchente no sul a direção do debate ambiental no Brasil era para a flexibilização das regras já existentes. A força das águas, contudo, podem mudar essa direção e os municípios têm as chaves da mudança. Em entrevista à CBN Goiânia, nesta quarta-feira (8), o arquiteto e urbanista Paulo Pellegrino, especialista em infraestrutura verde e professor da Faculdade de Arquitetura da USP, disse que é preciso pensar uma nova forma de trabalhar as águas nas cidades, de integrá-las aos espaços abertos para que elas deixem provocar destruição e mortes para serem algo positivo. Não é mais possível repetir velhas fórmulas, esperando um resultado diferente.A UFG em parceria com a prefeitura de Goiânia está elaborando o primeiro plano de drenagem urbana de Goiânia. O relatório, que faz um amplo levantamento hidrográfico da cidade, ficará pronto em outubro e pode ser o ponto de partida para o debate eleitoral em Goiânia. Quais candidatos se comprometerão em orientar seu eventual governo por esse plano e em apresentar um projeto de médio e longo prazos para recuperar os caminhos naturais de nossos córregos, ribeirões e rios? Fica a dica.