O rock goiano sofre o primeiro grande baque com a pandemia do novo coronavírus. O Festival Bananada, que completaria 22 anos de continuidade, faz uma pausa em 2020. O evento, um dos mais importantes da cena indie do País e que já recebeu nomes como Gilberto Gil, Jorge Ben e Caetano Veloso, retorna em agosto de 2021. “Convivemos com a incerteza de quando poderemos voltar a ter encontros com grandes aglomerações e deslocamentos. O Bananada recebe 20 mil pessoas e mais de 45% delas não goianienses. Por isso, ficou inviável”, conta com exclusividade, em entrevista ao POPULAR, o produtor cultural e organizador Fabrício Nobre. Ainda na conversa, Fabrício falou dos motivos que levaram ao cancelamento da edição 2020, o futuro do festival e os prejuízos para a cena roqueira goiana com a não realização do Bananada. Confira.Por que vocês decidiram não realizar o festival Bananada?Diante da atual conjuntura mundial, é inevitável considerar a não realização do festival em 2020. Infelizmente, o segmento que teve um impacto inicial mais direto com a pandemia da Covid-19 foi o cultural. Casas de espetáculos, teatro, baladas, bares, todos os lugares para shows foram fechados imediatamente. Os festivais, feiras e conferências de grande porte que estavam agendados até agosto no mundo inteiro tiveram programações do ano todo completamente adiadas, suspensas ou mesmo canceladas. Além disso, os empreendimentos ligados à área estão quebrando às dezenas no mundo todo. Imagine aqui, onde o governo federal parece “comemorar” a cada cidadão brasileiro acometido por essa doença. Mas, claro, existem outros fatores que impedem a realização do festival neste ano. Então, não vamos ter o Bananada em 2020.O que mais pesou no cancelamento da edição 2020?O que vamos tentar fazer não é um cancelamento da edição 2020, mas sim, um adiamento para agosto de 2021. É claro que a situação com pandemia mundial pesa definitivamente nessa decisão. Mas a situação do festival em si não é a mais confortável no momento. Mesmo com a operação funcionando no azul nos últimos dois anos, não foi possível a dissolução de um passivo acumulado por pelo menos seis anos, pela incapacidade de sustentar nossa única fonte de faturamento: a realização de eventos. Isso se agrava também diante da completa falta de suporte público desde 2016, com o golpe contra o governo federal, e o desmantelamento das políticas públicas no Estado e município. Além disso, convivemos com a incerteza de quando poderemos voltar a ter encontros com grandes aglomerações e deslocamentos. O Bananada recebe 20 mil pessoas e mais de 45% deles não goianienses. Por isso, ficou inviável.Mas o cancelamento ou adiamento da edição 2020 de alguma maneira coloca em risco a sequência do festival nos próximos anos?Esperamos que não. O cenário é incerto e nos cabe nesse momento apenas reagir a novos acontecimentos sem que possamos fazer planos a médio e longo prazos. Um hiato de um ano é uma situação imposta pela crise em nosso mercado a partir da tragédia da Covid-19. Certamente, fará com que repensemos um modelo de festival como o Bananada. Estamos experimentando novos formatos, nos envolvemos muito diretamente em duas construções coletivas recentemente: uma absolutamente voluntária, que foi um sucesso e possivelmente possa retornar nos próximos meses, o @festivalficaemcasabr, com três semanas de programação, no qual mais de 200 artistas participaram fazendo lives no Instagram. Foi uma ação pioneira, com centenas de produtores e artistas envolvidos, e com time do Bananada junto, alinhados com a Mídia Ninja. Outra ação também pioneira, realizada pela cerveja Devassa, apoiadora do Bananada, uniu oito festivais para o que chamaram de o Festival dos Festivais.Ações on-line ajudaram a minimizar os prejuízos?O mais interessante é que essas ações angariaram recursos para dar algum suporte financeiro, mínimo é claro, mas muito válido, para nossos times de produção principal e para técnicos, roadies, limpeza, conteúdo, entre outros. Claro que recurso insuficiente se comparado ao que pode ser movimentado nas produções físicas de um ano inteiro e no festival em si. Mas certamente vai ajudar a pagar alguns meses de aluguel, uma parcela do plano de saúde, uma mensalidade da escola, uma feira, uma conta ou outra dentro do mês de algumas pessoas para quem está na linha de frente e pode ficar sem trabalho um ano inteiro. Vale lembrar que, diferentemente de empresas maiores (que também estão sofrendo bastante), essas pessoas não podem recorrer a bancos, financiamentos ou até mesmo ao Estado.Quais os prejuízos para o rock goiano a não realização do Bananada em 2020?Não só para o rock ou para a música, mas para a cultura local em geral. Nos posicionamos sempre como um mecanismo de produção cultural, criando conteúdo, entretenimento e postos de trabalho. A cada edição, milhares de pessoas se movimentam em torno de um evento principal que não vai ocorrer em 2020. Toda cadeia produtiva é prejudicada: profissionais deixam de trabalhar, público deixa de ser atendido e afundamos mais ainda em um deserto de oportunidades culturais. Infelizmente, é claro que atividades culturais como as que realizamos aqui em Goiás não estão nos planos das prioridades dos governos estaduais, municipais e muito menos nessa sandice que está instalada no governo federal. É preciso uma reorganização setorial que demonstre isso, talvez nacionalmente primeiro, para induzir novamente as políticas públicas nacionais. Acho que a crise causada pela pandemia, que no Brasil tem sido encarada de forma muito equivocada, mostra para o mundo inteiro que a solução para uma vida melhor passa necessariamente por solidariedade, ciência, tecnologia, arte e cultura. Não ter arte e cultura como prioridade em nossas vidas deixa claro o vazio, o sofrimento e a falta que nos faz.Você acredita que outros importantes eventos do calendário goiano também serão afetados por conta da crise gerada pela pandemia?Não posso responder por todos, mas não é só o Bananada que deixará de acontecer este ano, mas muito provavelmente a Goiânia Mostra Curtas, Goiânia Noise, Vaca Amarela, os circuitos do Sesc, o VillaMix, Pecuária, as baladas da molecada, as ações nas casas de shows, os projetos no Martim Cererê, nada vai acontecer. São dezenas de pessoas que vão ficar sem trabalhar. São empresas com dezenas de funcionários que vão quebrar, são imóveis que vão ficar parados se nada for feito. O que estamos tentando fazer com a não realização física em 2020 do Bananada é procurar transformar as ações físicas em ações virtuais, para tentar de maneira criativa conseguir um pouco de tempo e não desistir da profissão que escolhemos, e que é fundamental para a sanidade, felicidade e bem-estar das pessoas. Queremos voltar a fazer eventos em Goiânia o quanto antes, mas é completamente inviável pensar em algo com padrão do Bananada antes de agosto de 2021.Como você avalia a indústria musical e de shows em um período tão complicado como esse de 2020?Vamos reagir e nos transformar como sempre. Esperamos poder usar nossa comunidade e redes virtuais como plataforma para um bem maior. Acho que já estamos fazendo isso.O Bananada faz parte da rede de festivais brasileiros. Como está a conversa e o contato com os outros eventos?Alguns festivais estão trabalhando em conjunto e deve ser um momento de procurar uma unidade, talvez uma nova representação nacional. Esta semana mesmo tivemos ótimas reuniões com dezenas de festivais de música que acontecem no Brasil, vários deles em Goiás, no intuito de nos organizarmos setorialmente novamente de maneira mais consistente. Estar junto aos seus pares vai ser mais importante do que nunca. Ser solidário, trocar tecnologia, aprender, estudar modelos, experimentar, e ainda ser responsável com a saúde de todos, encarar a ciência com fonte fundamental dos próximos passos, e estar com mentes e corações abertos para entender que sem arte, sem música no dia a dia, não existe vida.