O produtor cultural e cineasta Márcio Júnior, de 48 anos, ainda não desistiu da terceira edição da Gibirama – Feira Goiana de Histórias em Quadrinhos. Realizado pela última vez em 2017, o evento aguarda o repasse de R$ 200 mil, segundo o organizador, do Fundo de Arte e Cultura de Goiás (FAC), sob tutela da Secretaria de Cultura (Secult Goiás), para ganhar mais um capítulo. Pela continuidade desse mecanismo de fomento e também pelo retorno da Lei Goyazes, a classe artística promove hoje, às 14 horas, saindo da Praça Universitária, uma carreata em manifestação a essa situação.“Esses mecanismos são fundamentais porque, além de aquecerem a cadeia produtiva local, promovem o acesso aos mais diversos projetos culturais para toda a sociedade. Não se trata apenas de emprego para a categoria, mas de enriquecimento sociocultural”, pondera Márcio Júnior, que participa do protesto que, depois da Praça Universitária, segue pela Praça Cívica, Teatro Goiânia, Assembleia Legislativa, Parthenon Center e novamente a Praça Cívica. Em cada uma das paradas, serão realizadas performances que serão transmitidas ao vivo nas redes sociais. Por conta da pandemia, será obrigatório o uso de máscaras.Os manifestantes também vão protestar contra uma nova gestão política na Secult Goiás. A classe espera que o próximo titular seja da área. “Há receio com o cenário político que se aproxima”, diz Maneco Manacá, fundador e diretor do Circo Laheto e um dos organizadores da carreata. Questionada pela reportagem, a Secult não respondeu quem assumirá ou se o secretário interino, César Moura, será efetivado. Após a saída de Adriano Baldy, vários nomes foram ventilados, como da ex-vereadora Cristina Lopes, da cantora Maria Eugênia, da escritora Lêda Selma ou da própria permanência do interino.Para a classe cultural, representada pelos idealizadores da carreata, as conquistas no setor foram retiradas “de forma abrupta e sem negociação, como o fim da Lei Goyazes, os atrasos e falta de editais do Fundo”. “A nossa principal fonte de renda são as leis de incentivo. Temos um retorno nas apresentações ou em outras atividades, mas é muito pouco e acaba sendo necessário fazer mais malabarismos com o dinheiro que entra do que com o próprio malabares. São os mecanismos que acabam nos salvando e ampliando nosso alcance na comunidade com eventos gratuitos”, ressalta Maneco Manacá.Questionada pela reportagem, a Secult Goiás confirma que está preparando novos editais para serem lançados em 2021 – o último foi publicado em 2019. “O recurso previsto para o Fundo neste ano será de R$ 12 milhões”, adianta o secretário César Moura, que assumiu a cadeira no lugar de Adriano Baldy, exonerado no dia 26 de janeiro. Sobre o pagamento dos atrasados de 2015 a 2017, o interino afirma que a Pasta “trabalha na formação de um grupo para verificar a viabilidade técnica e econômica de cada projeto previsto nos editais que não foram pagos pelos governos anteriores”, explica.O secretário lembra que o governo pagou quase todos os atrasados de 2018 e que o restante “será quitado em até dois meses”. “Restam apenas quatro projetos dessa leva para receber, pois nossa equipe esbarrou com inconsistências de dados e certidões positivas dos proponentes, mas estão sendo tomadas as providências e logo os realizadores receberão”, garante Moura. Segundo ele, a Secult foi procurada por artistas que demonstraram não ter mais interesse em realizar os projetos do FAC, “seja por defasagem no valor, em atraso há mais de seis anos em alguns casos, seja pelo objeto da atividade”.Lei GoyazesQuanto à Lei Goyazes, o secretário interino de Cultura lembra que o mecanismo não existe desde 2018 – período da gestão do então governador Zé Eliton (PSDB) –, por deliberação do Conselho Nacional dos Secretários de Fazenda (Confaz) do Brasil. “Não foi o governador Ronaldo Caiado quem acabou com esse incentivo cultural. Goiás é um Estado membro desse Conselho, mas não tem poder de decisão unilateral. E todos os Estados precisam cumprir essas determinações. E, para compensar a extinção da Lei Goyazes, o atual governo instituiu a lei do Produzir, criando a contribuição exclusiva para a Cultura”, ressalta o secretário.César Moura adianta que a Secult Goiás já trabalha na criação de uma nova lei de fomento à Cultura para substituir a Goyazes. Segundo ele, a proposta está em fase de desenvolvimento e deverá atender aos “princípios de abrir novos editais quando houver recursos garantidos para essas finalidades”. Mas não foi divulgada uma data de lançamento do incentivo. “O governo tem feito o que é possível, dentro das responsabilidades legais e fiscais, para honrar os compromissos feitos e não cumpridos por gestões anteriores, e cumprir com as obrigações da atual gestão”, reforça César Moura.Pandemia em pautaAlém de protestos pela volta dos editais de cultura, os manifestantes cobram uma secretaria mais “participativa”, principalmente nesse período de pandemia do coronavírus. Os representantes da classe lembram que a área foi um dos primeiros segmentos paralisados e com perdas significativas no fomento de manifestações artísticas e nas perdas de postos de trabalho, entre técnicos, produtores e prestadores de serviço.“Infelizmente, fomos um dos setores mais fragilizados nessa época, porque a gente lida com a aglomeração. Fomos os primeiros a fechar as portas e seremos os últimos a reabrir e, por isso, é importante essa aproximação”, destaca o produtor cultural Márcio Júnior. Ao POPULAR, a Secult Goiás diz que entrou em contato com participantes do Fórum de Cultura do Estado de Goiás para estabelecer diálogo e ouvir as demandas, mas que obteve uma resposta positiva apenas da área ligada às artes plásticas.OtimismoAlém do festival Gibirama, Márcio Júnior aguarda o repasse do FAC para realizar duas edições do projeto Escola Goiana de Desenho Animado, criado em 2009 e que já recebeu o apoio de outros mecanismos de fomento, como a Lei Goyazes e a Lei Municipal de Incentivo à Cultura. As atividades foram aprovadas nos editais de 2016 e 2017, no valor total de R$ 200 mil, segundo o produtor. “Estou confiante que vamos receber. É um trabalho de continuidade. A nossa ideia é seguir fazendo bonito no mercado de animação, formando profissionais. Vários dos nossos alunos se tornaram diretores premiados, caso do Rafael Ferreira Franco”, comemora.O diretor do Laheto, Maneco Manacá, também está otimista para receber um projeto de formação de profissionais do circo aprovado pelo FAC em 2016, no valor de R$ 100 mil, segundo o artista. “É uma atividade muito importante. Em 2015, estávamos com uma turma em que quatro jovens foram selecionados para a Escola Nacional do Rio de Janeiro e ganharam bolsa a partir do processo formativo. Estou confiante no repasse. O problema do atraso é que perdemos parte do recurso por causa do valor. Os materiais já não têm o mesmo custo e também deixamos passar grandes talentos que ficaram de fora dessa ação”, pondera.-Imagem (Image_1.2195917)