Foi sepultado na tarde de ontem, no Cemitério São Miguel, na cidade de Goiás, o corpo da artista plástica Goiandira Ayres do Couto, que morreu na terça-feira, aos 95 anos de idade. O velório ocorreu no Palácio Conde dos Arcos, no Centro Histórico da velha capital, e atraiu dezenas de pessoas, entre autoridades, familiares e moradores da cidade que foram se despedir da artista. Distante da sua casa na cidade de Goiás, em uma ladeira próxima ao Rio Vermelho, desde o mês de dezembro, quando foi levada para casa de familiares em Goiânia, Goiandira do Couto era uma entusiasta da vida, como contaram familiares e amigos. Mesmo assim, há alguns meses ela mesma escolheu a roupa com que seria enterrada, uma blusa bege de organza com botões de pérola e detalhe frontal em richelieu, e também chegou a providenciar o próprio túmulo. "Eu a levei para a minha casa na véspera do Natal e ela sempre ia contrariada, pois sentia falta da casa dela. Há cerca de um mês, ela estava internada por causa de uma queda no final de julho, pela segunda vez. A primeira queda foi em 2007, mas agora complicações a levaram a morte", contou Isabel Ayres do Couto, irmã de Goiandira. Ao lado do caixão, coberto com duas bandeiras, uma da Escola Veiga Valle - que ela dirigiu por vários mandatos - e outra da Igreja Messiânica, da qual Goiandira era membro desde os anos 80, irmãos, sobrinhos, afilhados, ex-alunos e pessoas de várias classes sociais entravam e saiam da sala para "se despedir" da Tia Dila, como também era chamada. Era assim que seu sobrinho Greisson do Couto, 50, chamava aquela que o hospedou em casa durante várias férias. "Nunca vamos esquecer como era bom passar o Natal e outras temporadas lá, durante nossa infância. Ela chegou a vestir de Papai Noel várias vezes e até a dirigir uma carroça. Me impressionava sua energia e alto astral, pois ela ainda ia na Missa do Galo e em todas as solenidades para as quais era convidada", conta. Nos últimos anos, quando as crises de labirintite se agravaram e Goiandira precisou diminuir seu ritmo, foi a vez de o sobrinho mais velho da artista, o juiz aposentado Luiz Alberto Lorenzo Couto, 74, ser escalado para substituir a pioneira em seus compromissos públicos. "Há dois anos eu fui no Teatro Municipal do Rio de Janeiro receber o Prêmio Jaburu numa solenidade de homenagem a ela. Ela não foi, mas fez questão de ler o discurso. Uma vez por mês eu vinha aqui e nunca vou me esquecer do seu doce de buriti", rememorou. Convivência João Henrique da Luz Neto, 31, também era considerado seu "braço direito" por cuidar do espaço cultural Goiandira do Couto. O guia turístico se lembra bem quando, aos 23 anos, bateu na porta da artista e se candidatou à vaga oferecida para cuidar do espaço construído anexo à casa dela. "Ela tinha acabado de construir e eu precisava trabalhar, pois era minha área e também queria me casar. No dia 16 de abril de 2003, o espaço foi inaugurado e desde então cuidava do lugar, que foi fechado no mês de julho", conta. João Henrique diz que as pessoas ainda o alertaram que Goiandira era muito "sistemática". "Ela apenas era franca. Quando cheguei, ficou claro que eu precisava ser pontual, responsável e gostar da história da cidade. Na mesma semana, ela me deu aula sobre sua vida e me fez andar pelo espaço dizendo as coisas para ela, que encarnava o papel de turista. Eu tremia", contou. O guia disse que o espaço idealizado para poupar Goiandira do excesso de trabalho com os turistas acabou não contribuindo muito para o sossego de sua proprietária. "Muitas vezes ela escutava um barulho de gente e, mesmo comigo no papel de guia, lá chegava falando e explicando para as pessoas sobre a história da cidade, sobre sua arte", conta. A vida pessoal e o grande amor do passado, Jujuca Guimarães, morto há cerca de duas décadas, também não eram segredos guardados por Goiandira. "Ela não se casou com ele, que era poeta e boêmio, por causa do pai", contou João Henrique. Para Marlene Velasco, diretora da Casa de Cora Coralina, entidade da qual Goiandira também foi uma das fundadoras, a movimentação da casa da artista pela família, amigos e turistas afastou Goiandira da solidão. "Ela tinha plena consciência da chegada da morte e até escolheu as letras de mármore que gravariam seu nome na lápide", disse. Marlene lembra que foi na cozinha dela que também surgiram associações como a Casa de Cora, em 1985, e outras como a Associação Vilaboense de Artes (Ovat). Cora Coralina era prima em segundo grau de Goiandira e costumava conversar muito sobre literatura com o pai da artista plástica, o juiz Luiz do Couto. "A Goiandira recebeu durante décadas em sua própria casa tanto vendedores de banana como chefes de estado. A ONU, a Casa Branca, em Washington, e a Unesco têm obras dela em seu interior. Ao pintar ruas e casarios, ela cantou e decantou sua cidade por meio das pinturas com areia da Serra Dourada", relembrou Marlene.-Imagem (Image_2024857-1-2)