-Imagem (Image_1.2314345)-Imagem (1.2314412)Por dificuldade com o agendamento, falta de dinheiro para pagar o transporte ou por desinformação que causa medo e desconfiança. Estas são algumas das questões apresentadas por moradores de regiões periféricas de Goiânia que ainda não tomaram a vacina contra a Covid-19. A dificuldade de acesso é o principal motivo citado por aqueles que, apesar de quererem, ainda não puderam receber ao menos uma dose de proteção contra o coronavírus.O avanço da campanha na capital está desigual, concentrando os piores índices de cobertura nas regiões Oeste e Noroeste, conforme levantamento feito pela Prefeitura de Goiânia há um mês. Em visita do POPULAR aos bairros Parque Santa Rita, Residencial JK e Orlando de Morais, que ficam na periferia, entre 46 entrevistados maiores de 18 anos, 25 disseram ainda não ter recebido a primeira dose, seja por falta de acesso ou por desinformação.A dona de casa Rosimeire Candido dos Reis, de 36 anos, que é moradora do Parque Santa Rita, é uma das que querem, mas não conseguem a vacina. Ela conta que só acessa o aplicativo de agendamento quando visita amigos ou familiares que têm internet. Das vezes em que tentou, nunca encontrou vaga. A vacina também não chegou para o marido, Osiel Pinto da Silva, de 37 anos, e para a filha, Ana Eloisa Lima dos Reis, de 18.O acesso de Rosimeire à vacina está atrasado há quatro meses. Ela tem diabetes e hipertensão, doenças que a fazem ser parte do grupo de comorbidades, cuja vacinação iniciou ainda em 12 de maio. Mesmo sem querer, ela agora está entre os mais de 20% dos moradores da capital que não tomaram a primeira dose da vacina (confira o quadro). “A Prefeitura sabe que a gente existe. A gente não pode ficar esquecido”, reclama Rosimeire.A gestão municipal reconhece o problema, diz que já atua com busca ativa e planeja adaptações na campanha para alcançar os bairros mais afastados. Atualmente, com exceção do drive-thru instalado no Passeio das Águas Shopping, que atende pessoas em carros ou motos por demanda espontânea, os demais pontos de vacinação da capital exigem agendamento prévio por aplicativo ou site.O presidente da Central Única de Favelas de Goiás (Cufa-GO), Breno Cardoso, acompanha de perto a rotina das comunidades periféricas da capital e diz que a exigência de agendamento não dialoga com a realidade encontrada nessas populações. “Não dá para deixar mais essa responsabilidade nas mãos dessas pessoas como se elas já não tivessem várias outras preocupações diárias”, diz Breno.DistânciaNo residencial JK, na Região Noroeste, a dona de casa Kelly Nascimento Reis, de 21 anos, teve um filho há um mês e desde a gravidez sabia que podia tomar a vacina contra a Covid-19. No entanto, ela diz que na época em que estava fazendo o pré-natal coincidiu com o período em que a vacinação entre grávidas ficou suspensa para análise de um suposto caso de efeito colateral de um imunizante.“E aí fiquei sem tomar. Depois que eu tive meu filho e tentei, a vacina caiu lá no Jardim América. Mas como as condições estão precárias não teve como eu ir (sic)”, relata Kelly. Apenas para sair do bairro, a jovem precisa andar a pé por 20 minutos para pegar um ônibus. O Cais Jardim América fica a 18,2 km da casa de Kelly. O trajeto feito com transporte coletivo leva quase 2 horas e inclui pelo menos dois ônibus.Em outro local isolado, no extremo da Região Norte, moradores do Orlando de Morais também reclamam da distância das unidades disponíveis no agendamento. Apesar de o bairro contar com um Centro de Saúde da Família (CSF) próprio, o CSF Antônio Carlos Pires, que inclusive é equipado com uma sala de vacinação, o recebimento de vacinas contra a Covid-19 é coisa rara.Durante os seis meses de campanha, o CSF do Orlando de Morais recebeu remessa da primeira dose em apenas três ocasiões. Quando chegam, são poucas vacinas e elas são disputadas por toda a população de Goiânia pelo aplicativo. Sem exigência de agendamento foi apenas em um sábado. Enquanto outros moradores conseguem cruzar a cidade e receber a vacina no bairro, o contrário não é possível para grande parte da comunidade local.A dona de casa Maria Neusa, de 52 anos, foi uma das moradoras que conseguiram tomar as duas doses no bairro. Apesar disso, ela reclama que a filha, que tem 18 anos, e o genro, que de 22, ainda não puderam fazer o agendamento. Segundo Neusa, as tentativas começaram há três semanas e desde então o aplicativo oscila entre a ausência de vagas e a disponibilidade de locais mais distantes do que eles conseguem se deslocar.O coordenador do CSF Antônio Carlos Pires, Éder Gomes, diz que moradores buscam a unidade de forma recorrente para saber sobre a primeira ou a segunda dose. A ajuda, no entanto, nem sempre é possível. “Nós temos moradores analfabetos, alguns não entendem o que é preciso ser feito e por isso acabam desistindo”, relata Éder. Para o gestor, o ideal seria estabelecer ao menos dois dias do mês com o agendamento dispensado.O superintendente de Vigilância em Saúde de Goiânia, Yves Mauro Ternes, diz que a estratégia da capital observa a necessidade de manter a aplicação de outras vacinas e por isso não é possível disponibilizar doses de imunizante contra a Covid-19 em todas as unidades. “Quando faço uma vacinação da Covid-19 eu não posso fazer as outras vacinas de rotina no mesmo local. Se eu abrir ainda mais salas eu vou dificultar a aplicação desses outros imunizantes”, argumenta.Desinformação torna situação delicadaA descrença depois de tentativas frustradas ou a falta de compreensão sobre o processo de agendamento são outras razões apresentadas por quem não tomou a vacina. A dona de casa Walina Brito, de 34 anos, que mora no Parque Santa Rita, diz que fez o agendamento logo que a faixa etária dela foi liberada na campanha, mas acabou desistindo em razão da distância e agora parou de tentar.O Parque Santa Rita também conta com um Centro de Saúde da Família (CSF), mas o estabelecimento só aplica a segunda dose. Entre os locais disponíveis durante a última semana, a sala de vacina mais próxima do bairro ficava no Ciams Novo Horizonte, situado a 9 km de distância. “Só tinha um setor que eu nem sei onde fica”, lembra Walina. Ela calculou o trajeto por um aplicativo de transporte, já que precisaria levar o filho de 6 anos. O valor era alto demais: 25 reais na ida e nem ideia de quanto seria cobrado na volta. “Chegou o dia e eu não tinha dinheiro para ir. Todo mundo aqui é carente. Você não tem 50 reais, 60 reais para pagar um Uber e ir para o outro lado da cidade”, reclama a dona de casa. Além de Walina, o marido, que tem 38 anos, também não recebeu a vacina. Segundo a dona de casa, a dificuldade do companheiro é a falta de tempo. “Ele sai muito cedo para trabalhar e volta tarde. Mas nós vamos, temos de vacinar”, pontua Walina, que não estima quando será o dia em que irão conseguir o imunizante.Moradora do Orlando de Morais, Cleonice da Costa, de 36 anos, diz que ficou sabendo pelo relato de conhecidos que o processo de agendamento “é uma burocracia danada” e por isso nem chegou a tentar. “Vou ficar esperando sair algum lugar que não precise marcar, que é só chegar e vacinar. Aqui no setor teve uma vez, mas quando eu fiquei sabendo já tinha acabado”, relata Cleonice.No Parque Santa Rita, Ailton Soares dos Santos, de 53 anos, é mais um exemplo que ajuda a entender porque a vacina ainda não chegou para todos. Diagnosticado com transtornos mentais, Ailton vive sozinho e se sustenta com bicos e doações. Quando soube da vacina, ele foi até o CSF do bairro, mas lá foi informado de que deveria fazer o agendamento para receber o imunizante.Ailton tentou, tem interesse e sabe da importância da vacina. Entre os poucos pertencentes ele tem um celular, inclusive envia mensagens pelo aplicativo WhatsApp de forma regular. Mas é uma comunicação que fica pelo meio do caminho – o dispositivo não tem internet móvel, falha que ele aparenta não perceber. “Ficam com preconceito quando você chega lá (no CSF). É muito difícil, eu deixei isso de mão”, desabafa.InformaçãoO leque de dúvidas sobre o processo é amplo. Para a reportagem, moradores relataram questões como ter tomado a primeira dose em outras cidades e não saber se podiam receber o reforço na capital. Em outra situação, um morador disse acreditar que está no fim da fila porque agendou a vacina e não conseguiu ir no dia marcado. Medo de efeito colateral afasta populaçãoOutra parcela dos 20% que não tomaram a primeira dose é composta por pessoas que ainda desconfiam da eficácia da vacina e ou temem as reações negativas após receberem informações falsas. A auxiliar de costura Ana Paula Gomes Divino, de 27 anos, que mora no Residencial JK, diz que tentou agendar a vacina três semanas atrás, mas que não fez novas tentativas depois disto. Ela considera o agendamento difícil e tem medo dos efeitos colaterais da vacina. Medo e desconfiança sobre a vacina foram os principais motivos apontados pela maioria das pessoas ouvidas no Residencial JK, quadro bem diferente dos outros dois bairros visitados, onde a questão apareceu entre os relatos, mas foi minoritária. “O pessoal estava falando que era diminuição da população. Fala que essa vacina tem um efeito, né? Tem pessoas que falam que ficou pregando moeda no corpo. Ave Maria, eu fiquei até com medo de me vacinar, mas eu tenho de vacinar, fazer o quê?”, diz Ana Paula, que expõe estar vivendo um conflito interno para decidir o que fazer. O efeito danoso das notícias falsas foi uma questão observada pela Central Única de Favelas de Goiás (Cufa-GO) desde o início da pandemia, conta o presidente da entidade, Breno Cardoso. “Essas populações vivem um isolamento social no sentido amplo, o que inclui a dificuldade de acesso a informações corretas. É um ambiente em que a disseminação de notícias falsas corre muito mais rápido e por isso as pessoas acabam acreditando”, acrescenta. Em outros locais da cidade a desconfiança sobre a vacina também está presente. Danyllo Cardoso, de 22 anos, mora no Jardim Novo Mundo. Ele divide o dia trabalhando como atendente de telemarketing e como dançarino. A rotina é puxada e assume ter contato com muita gente diariamente. Mesmo assim, por desconfiança da segurança das vacinas disponíveis, o jovem diz que não foi e nem pretende buscar o imunizante.“Todos os meus colegas que já tomaram tiveram febre, dor no corpo, muita dor de cabeça, tontura. Eu tenho muito medo, por isso não fui e nem pretendo, nem eu e nem o meu irmão, que tem 18 anos”, diz o jovem.Para mudar de ideia, Danyllo coloca duas condições: o desenvolvimento de uma vacina com 100% de eficácia, o que é praticamente impossível e caso a empresa onde trabalha torne a vacina obrigatória. “Caso contrário eu não vou tomar essa vacina”, declara o dançarino. No início da pandemia de Covid-19, um projeto da Cufa-GO levou cientistas para conversar e tirar dúvidas nas regiões de maior vulnerabilidade social de Goiânia. A experiência mostrou que as comunidades tinham dúvidas básicas sobre os cuidados rotineiros, incluindo acreditar que não precisavam usar máscara por viverem em comunidades isoladas. “São pessoas que às vezes vivem com outras dez em uma casa com dois cômodos”, destaca o presidente da Cufa-GO sobre os riscos. Apesar de esforços com projetos como um que levou cientistas para dialogar com a população, Breno diz que a Cufa e as demais entidades não conseguem alcançar toda a demanda. “Seria fundamental que profissionais fossem para essas comunidades mais afastadas para dialogar com essas populações”, diz Breno. Campanha deve ter mudançasDurante entrevista ao POPULAR, o superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Yves Mauro Ternes, informou que a SMS estuda implementar a vacinação por demanda espontânea em toda a cidade. O superintendente explica que a preferência pelo aplicativo se deu para tornar a campanha mais organizada, estratégia considerada efetiva por Yves.“Boa parte da população está usando o aplicativo e conseguindo fazer o agendamento, mas ainda há uma parcela importante que precisa ser alcançada”, diz Yves, que pondera acreditar que a questão de acesso representa a minoria dos que ainda não tomaram a vacina.O superintendente destaca que a cobertura de forma desigual pode acarretar em riscos de surtos. “Então, essas áreas que têm esses buracos de vacinação são sim uma preocupação para a SMS e por isso temos de adotar estratégias”, destaca Yves, que informa que a meta é alcançar no mínimo 90% dos moradores para garantir maior segurança contra a Covid-19. “Na medida em que as pessoas vão vendo que o familiar tomou a vacina e está bem, que o vizinho tomou e está bem, elas decidem também se vacinar”, diz o superintendente sobre o obstáculo das informações falsas.6 Perguntas para Ana Paula Junqueira KipnisDoutora em imunologia e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), responde às principais dúvidas de quem ainda não tomou a vacina por medo ou desconfiança1 - As vacinas são seguras?Todas as vacinas aprovadas pela Anvisa são seguras e produzem proteção contra a Covid-19. Saiu um artigo recentemente mostrando que as pessoas que foram vacinadas com as doses necessárias estão 17 vezes mais protegidas de hospitalização que aquelas que não estão vacinadas. A vacina evita a hospitalização e que você tenha uma doença séria. 2 - Sentir reações após a vacina é considerado normal? Todas as vacinas podem produzir reações. Essas reações duram no máximo 48 horas e se todos se lembrarem, quando a gente vacina as crianças com várias outras vacinas, todas elas podem ter um sintoma parecido com gripe, uma febre baixa ou às vezes até uma febre alta. É uma resposta do corpo sendo montada contra algo que o organismo ainda não conhecia.3 - As vacinas não garantirem 100% de proteção indica que elas são ineficazes?A vacinação é um compromisso com a sociedade, com as pessoas que moram à nossa volta. Nenhuma vacina protege 100%, mas se todo mundo é vacinado, eu garanto que quem está próximo de mim e está vacinado, mas não tem uma boa resposta imunológica, pode ter a chance de não pegar a doença por mim. Ou se eu for a pessoa que não respondo bem à vacina, quem está próximo a mim e está vacinado não fica doente então eu não fico doente também. 4 - A vacina faz o corpo atrair objetos metálicos? Não. Nenhuma das vacinas utilizadas contêm metais, e metais magnetizados menos ainda, porque para isso você deveria ter um imã, alguma substância com ação de imã. E nenhuma das vacinas apresenta esses componentes. A resposta imune do seu corpo não consegue fazer essa magnetização. 5 - Existem vídeos na internet mostrando o braço supostamente magnetizado. Essas informações tem interferido na campanha?É muito triste perceber que existem pessoas que têm tempo para deturpar qualquer resultado que é apresentado e transformar em notícia falsa.6 - Qual a melhor maneira de evitar isso? É a contrainformação. Fazer o boca a boca e falar sobre a mesma coisa sem parar: que vacinas protegem, que vacinas já nos protegeram de outras pandemias. -Imagem (1.2314356)