Um professor de geografia do Colégio Estadual Militar Américo Antunes, em São Luís dos Montes Belos, centro de Goiás, foi afastado de suas funções por 60 dias depois de discordar da leitura do slogan da campanha do atual presidente Jair Bolsonaro (PSL) e da filmagem de crianças e adolescentes durante a execução do hino nacional. A Secretaria de Educação (Seduc) considera que há suspeita de prática de “grave insubordinação”.O caso se juntou à reclamação de cinco pais de estudantes do colégio que acusam o docente de influenciar seus filhos a adotar“doutrinas comunistas” e o ateísmo. Ele nega que tenha feito qualquer prática irregular e alega estar sendo perseguido.Todas as quartas-feiras, às 7 horas, os estudantes do Américo Antunes ficam em formação para cantar o hino nacional e ouvir avisos do cotidiano escolar. No entanto, na quarta do dia 27 de fevereiro, o comandante diretor do colégio, o capitão Eduardo Alves Pereira Filho, decidiu ler a carta do Ministério da Educação, que repete o bordão da campanha política de Bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.A carta, que pedia a leitura do slogan e a filmagem dos estudantes, havia sido enviada no dia 25 e causou polêmica a nível nacional. Foi criticada por especialistas e rendeu até pedido de explicações do Ministério Público Federal. O próprio ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, voltou atrás e modificou o documento no dia 26, retirando a frase de campanha política e condicionando a filmagem à autorização dos responsáveis dos alunos, além de deixar claro que a ação era opcional.Segundo o processo administrativo que levou ao afastamento do docente, depois de ler a carta na íntegra e filmar os estudantes, o diretor do colégio deu oportunidade de fala para os servidores do colégio. O professor de geografia Wellington Divino Pereira, então, discordou publicamente do diretor, dizendo que ele não deveria ter lido o slogan, nem filmado os estudantes.Na interpretação dos gestores do colégio, esse episódio teria causado “grande constrangimento” na comunidade escolar. Em um relatório da Coordenação Regional de Educação de São Luís é pontuado que o professor, ao falar, não seguiu o protocolo das escolas militares, porque falou em voz alta do lugar onde estava, sem se levantar e ir até a frente de todos. Além disso, Wellington também teria errado ao chamar o diretor pelo seu primeiro nome, sem mencionar a sua patente. Ainda segundo o relatório, após ouvir as críticas, o diretor teria dito que a solenidade do hino não era o ambiente adequado para aquela conversa.No mesmo dia desse episódio, a direção do colégio militar enviou três documentos para Coordenação Regional, instância da Seduc, contra o professor de geografia: Uma nota de repúdio dizendo que ele cometeu desrespeito; um “relatório de prática inadequada” descrevendo o momento da leitura da carta com detalhes; e um ofício pedindo a remoção de Wellington, alegando que três pais de estudantes haviam reclamado da suposta doutrinação comunista e ateu que o docente estaria praticando. No ano passado, outros dois pais fizeram as mesmas reclamações.Já no dia seguinte ao episódio, dois desses pais procuraram a própria Coordenação Regional. Eles acusaram o professor de fazer proselitismo de cunho político e religioso, de se opor à obrigatoriedade do hino nacional e de desacatar a autoridade do diretor.Até o prefeito de São Luís de Montes Belos entrou na história. Eldecirio da Silva (PDT), major reformado da PM, enviou mensagens de WhatsApp para a Coordenação Regional descrevendo reclamações de pais de estudantes. Procurado pela reportagem, o prefeito afirma que não conhece o professor e apenas repassou o caso para a área pertinente.“Os pais reclamaram que ele estava pregando, na cabeça dos filhos deles, comunismo e contra os princípios religiosos. Que estava ensinando contra as doutrinas das igrejas e que o filho estaria rebelde em casa”, diz.Wellington foi afastado preventivamente no último dia 8 e deve ser lotado em um novo colégio após esse período. Ele almeja voltar à unidade, onde dá aula desde antes de sua militarização, que aconteceu há cerca de um ano. Por nota, a Seduc informou que será “assegurado o direito da ampla defesa dos envolvidos e garantida a inviolabilidade de suas informações pessoais”. Para diretor, há doutrinação esquerdista e antirreligiosaO coordenador diretor do colégio militar de São Luís de Montes Belos, o capitão Eduardo Alves, defende que o professor de geografia Wellington Divino “tenta doutrinar os alunos a seguir sua ideologia partidária esquerdista e antirreligiosa” e que isso seria contra a “neutralidade ideológica na prática docente”. A acusação está no ofício entregue à Secretaria de Educação (Seduc) pedindo a remoção do professor do colégio. O documento foi entregue no mesmo dia que Wellington questionou o diretor pela leitura do slogan de campanha do presidente Jair Bolsonaro (PSL) após a execução do hino nacional . Defensor árduo do presidente, o diretor costuma fazer críticas severas a opositores nas redes sociais. Defende um governo militarista, critica professores de esquerda e chama petistas de malditos. Na foto de formatura da turma de Ensino Médio do colégio deste ano, os estudantes posaram fazendo o sinal de arma com as mãos, ao lado do diretor, símbolo da campanha de Bolsonaro. O diretor não está sozinho em suas críticas. Outros cinco pais de alunos também acusam Wellington de ser “doutrinador”. Dois deles desde o ano passado, quando houve a abertura de um primeiro processo interno, já finalizado. Três deles manifestam apoio ao presidente Bolsonaro nas redes sociais. Uma mãe afirma que a filha começou a acreditar em ideias comunistas por causa do professor. Ela diz que a estudante teria demonstrado que prefere tirar notas menores para se equiparar aos demais alunos. Um casal fez denúncia dizendo que o professor teria chamado os eleitores de Bolsonaro de “analfabetos políticos”. Um pai conta em depoimento que o professor teria dito que “Deus não existe” e que Jesus seria comunista se vivesse nos dias atuais. Já um outro pai, pastor evangélico, fala que o professor constantemente deixaria claro que é ateu e que tentaria passar isso de maneira indireta aos alunos. Outra mãe reclama que o professor ensinaria “ideologias contrárias ao bom costume”.A reportagem entrou em contato com o diretor do colégio, mas ele afirmou que só daria entrevista depois da coordenadora regional de educação de São Luís. A reportagem entrou em contato com a coordenadora, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem. “Nunca me senti tão injustiçado e impotente”, diz docente afastadoAfastado depois de questionar a leitura do slogan de Bolsonaro, o professor de geografia Wellington Divino lamenta o processo que está sofrendo e diz estar sendo perseguido politicamente. Dos seus dez anos de profissão, três foram no colégio militar de São Luís de Montes Belos, onde atua desde antes de sua militarização. Apesar de não concordar com o modelo militar, afirma que continuou na unidade por considerar uma forma de resistência e por ter uma boa relação com os outros professores e demais colegas.Ele mora em uma cidade vizinha à do colégio. “Nunca me senti tão injustiçado e impotente diante da arbitrariedade que estou vivendo.” Wellington nega que faça doutrinação esquerdista ou antirreligiosa. Ele diz que mesmo sendo ateu, a mulher é católica e sua filha foi batizada na igreja. “Todas as reuniões que temos na escola, antes de começar os trabalhos, fazem orações, e nem por isso reclamo”, exemplifica. Já sobre os questionamentos políticos, Wellington afirma que, na verdade, existiria uma contestação em relação às disciplinas de Filosofia, Geografia e Sociologia. Ele cita trechos do currículo de referência da rede estadual, que fala que se deve explicar a diferença entre senso comum e religião, filosofia e religião, e as definições de marxismo e socialismo. “A preocupação de algumas pessoas, e aqui deixo claro, que não são só os pais de alunos, demonstra que sua fúria está voltada ao questionamento da realidade”, diz.O professor levou o caso ao sindicato da categoria, o Sintego, que está em sua defesa. Para a entidade, há um processo de aumento da perseguição aos professores de pensamento crítico e à liberdade de cátedra, com a ascensão do movimento Escola Sem Partido. “Os professores estão com medo de dar aula. Como vai ensinar pluralismo de ideias? Qualquer coisa cria pecha para dizer que professor é ‘esquerdista’”, afirma a presidente do Sintego, Bia de Lima.