Mesmo sem estar com o filho, a dona de casa Maria das Graças Soares, de 47 anos, convive com a presença dele todos os dias. Sem saber o paradeiro dele, vivo ou morto, ela mantém o quarto do garoto com suas roupas, chuteiras, medalhas e fotos. Há exatamente 14 anos, Murilo Soares Rodrigues desapareceu após abordagem policial no bairro Vila Brasília, em Aparecida de Goiânia. Na época, ele tinha 12 anos e estava no carro do pai, um Pálio, com o servente de pedreiro Paulo Sérgio Pereira Rodrigues, que também nunca mais foi visto. Oito policiais das Rondas Ostensivas Metropolitana (Rotam) chegaram a ser indiciados e processados pelos homicídios e por ocultação de cadáver, mas foram todos absolvidos por falta de provas. Mesmo sem uma resposta, Graça, como é conhecida, continua procurando autoridades para ter algum alento e teme que o caso seja esquecido. A última conquista foi uma imagem computadorizada feita pelo Instituto de Identificação da Polícia Civil no mês passado, que mostra como Murilo estaria hoje, com 26 anos de idade. “Eu tinha muita vontade de ver ele como estaria hoje. Ficava com isso na cabeça. Ficava pensando: ‘Como meu filho seria hoje se estivesse aqui?’”, relata a dona de casa, que solicitou pessoalmente a confecção da imagem à Polícia Civil. “Fiquei delirando na foto dele, de como ele seria hoje”, conta sua impressão da primeira vez que viu a imagem computadorizada. Graça perdeu a estabilidade emocional desde que o filho sumiu. Diagnosticada com transtorno afetivo bipolar, depende hoje de remédios tarja preta para viver. Chegou a frequentar uma psicóloga da rede pública durante cinco anos, mas desistiu porque estava insatisfeita com o tratamento e tinha sido roubada quatro vezes no caminho entre a casa e a clínica. O próximo passo para Maria das Graças é conseguir uma certidão de óbito para o filho. O documento é necessário para que consiga vender a casa onde mora hoje, que está no nome dele como herdeiro. Para isso, ela procurou a Defensoria Pública e deu entrada na tramitação para conseguir, pelo menos, um documento que comprove a ausência de Murilo. Desde o desaparecimento, ela vive uma rotina de luta e por busca de informações sobre o filho. Todos os anos faz uma nova camiseta em homenagem a ele e questionando o paradeiro do adolescente. As roupas são distribuídas em um culto religioso, que também realiza todos os anos, em memória de Murilo, na igreja que ele frequentou. O aumento das mortes por intervenção policial também atinge a dona de casa. Ela conta que quando vê reportagens de casos de abordagem policial com morte se lembra do caso de Murilo. “Eles estão matando demais. Quando passa na televisão nem gosto de ver. Eles falam que a pessoa estava armada, sendo que não estava armada, falam que foi troca de tiro, sendo que não foi. Uns casos podem até ser, mas outros não são.” Era por volta das 20 horas da sexta-feira de 22 de abril de 2005, quando o Pálio em que estava Murilo e Paulo foi abordado por dois veículos da Rotam na Rua Tapajós, na Vila Brasília. Após revista, as vítimas saíram do local no próprio carro, escoltado pelas viaturas, com um policial no banco de trás. Várias testemunhas viram a ação, já que havia movimento na rua no momento da abordagem. O carro Pálio foi encontrado no dia seguinte, no Setor Alto do Vale, em Goiânia, mais de 20 km do local da abordagem. Ele estava completamente queimado, sem as rodas e sem o equipamento de som. Murilo e Paulo nunca mais foram encontrados. -Imagem (Image_1.1781129)