A aprovação de uma lei pelo Senado Federal na última quarta-feira (15) pode aumentar a quantidade de internações de pacientes que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas. A nova legislação, que ainda precisa ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), facilita a internação involuntária de dependentes químicos, principalmente aqueles que não possuem vínculo familiar. A Secretaria de Saúde de Goiás (SES-GO) avalia que unidades da federação não têm condições de um eventual aumento de internações.São previstas atualmente três formas de internação de dependentes químicos: a voluntária, quando o paciente tem interesse; compulsória, quando há uma decisão judicial devido ao cometimento de algum delito; e a involuntária, que é quando o paciente coloca em risco a própria vida ou dos outros, e já foram testadas outras formas de tratamento. Em todos os casos são necessários laudos médicos.No caso da internação involuntária, quando o paciente não tem um familiar que avalize por ele junto ao psiquiatra, é necessário decisão judicial. No entanto, caso a nova lei seja sancionada, qualquer servidor público da área de saúde, assistente social e órgãos públicos ligados ao Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) podem avalizar a internação no lugar de parentes do paciente, sem necessidade de decisão judicial. Além disso, a legislação aprovada também altera outras áreas da Política de Drogas. (Veja o quadro).Para o psiquiatra especialista em dependência química Airton Santos, a mudança na lei é desnecessária e já provou ser ineficaz. “Já vivemos experiências desastrosas no passado, principalmente em grandes centros urbanos, como na cracolândia. Acabou sendo uma medida higienista. É um problema mais social”, avalia o médico.Já a presidente da Associação das Comunidades Terapêuticas de Goiás, Sherydan de Oliveira, vê a lei como um avanço para atender pacientes em situação mais grave de uso da droga e de vulnerabilidade. “A gente não pode ser extremista, existem casos e casos”, aponta.Apesar das divergências, tanto Sherydan como Airton entendem que haverá aumento da demanda de internação sem haver capacidade para isso. “Vai levar para onde? Comunidade terapêutica não pode. Caps não interna. Vai forçar os Estados brasileiros a ter políticas públicas que atendam essa demanda ou vai aumentar criminalidade com clínicas clandestinas”, avalia Sherydan.O secretário estadual de Saúde, Ismael Alexandrino Júnior, reconhece que a nova legislação pode aumentar a quantidade de internações de dependentes químicos. “A área da saúde mental ainda carece de amadurecimento, não é consolidada. Não acredito que será uma lei que vai consolidar, talvez norteie. Mas é uma lei que gera preocupação, porque pode imputar condições que os Estados não estão preparados”, analisa. Alexandrino pontua que, além da falta de estrutura da área em todo o País, não haveria um fluxo de pacientes consolidado, como existe na área clínica.Em janeiro, o secretário anunciou que dois centros estaduais de Referência e Excelência em Dependência Química, Credeqs, que estão em construção seriam adaptados para o perfil de policlínicas ou ambulatórios com multi especialidades, para além de dependentes químicos. Questionado se a nova lei sobre internações involuntárias poderia mudar esse plano, Alexandrino disse que “a ideia não é necessariamente deixar de atender dependentes químicos, mas ampliar a sua atuação, inclusive colocando mais especialidades.”Conselho de psicologia é contrárioO Conselho Regional de Psicologia de Goiás e Tocantins (CRP-09) se posiciona contrário à lei aprovada pelo Senado Federal que facilita a internação involuntária de dependentes químicos. Para o conselheiro Mayk da Glória, que é especialista em saúde mental e dependência química, a nova lei abre brecha para que a reforma psiquiátrica não seja respeitada e que internações involuntárias sejam feitas como primeira opção, ao invés do paciente passar por outros tipos de tratamento. “Eu tenho impressão que vai haver aumento de internações, não porque essas pessoas estão desassistidas, mas porque a sociedade demanda que essas pessoas sejam retiradas do convívio social e fiquem enclausuradas, como se a questão das drogas tivesse a necessidade de tirar essa pessoa do convívio social”, avalia o psicólogo.A aprovação dessa lei acontece em um contexto nacional de mudança da política de drogas no Brasil, que vinha sendo feita com um viés de redução de danos e passou a ser adotada a perspectiva da abstinência. Essa mudança vem acontecendo desde o ano passado, com um aumento de repasses financeiros para comunidades terapêuticas, que não trabalham com internação involuntária, mas não tem atendimento hospitalar e costumam ter cunho religioso.