A identificação de Wellington Ribeiro da Silva, de 52 anos, natural de Alto Paraguai (MT), pela Polícia Civil de Goiás como um dos maiores estupradores em série do País, revelou a importância da criação dos Bancos de Perfis Genéticos. A análise de alguns materiais biológicos de vítimas de estupro na região metropolitana de Goiânia nos últimos anos mostrou uma única autoria, o que motivou à formação de uma força-tarefa sem precedentes na história policial goiana. Até esta quinta-feira (19) ficou comprovado que 22 casos de estupro foram praticados pelo matogrossense entre 2008 e 2019 e outros 25 estão sob investigação.No final do ano passado, ao ter a certeza de que oito crimes de estupro tinham autoria única, a Superintendência de Polícia Técnico-Científica decidiu comunicar o fato à direção da Polícia Civil (PC). Naquele momento diversos inquéritos para investigar crimes semelhantes estavam abertos em delegacias distintas. O fato foi considerado tão inusitado que a solução encontrada foi a formação de uma força-tarefa com a participação de mais de 40 pessoas, entre delegados, agentes, escrivães e papiloscopistas, numa ação sigilosa. Foi um trabalho árduo, sem descanso, com uso de inteligência, que durou quase 50 dias até culminar na prisão do homem que pode ter cometido um número de crimes que a PC ainda não consegue dimensionar.“Nos reuníamos uma vez por semana na sede da Delegacia Regional de Aparecida de Goiânia para discutir o trabalho, mas nesse período não houve descanso, nem nos finais de semana”, contou a coordenadora da força-tarefa, delegada titular da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam) de Aparecida de Goiânia, Ana Paula Machado. Ela e outros colegas estavam presentes no momento da prisão de Wellington da Silva na quinta-feira da semana passada, dia 12, preso na rua, no Setor Veiga Jardim, próximo ao Anel Viário.Para chegar a esse momento os policiais já tinham em mãos a ficha completa de Wellington, desde a tipificação dos crimes de sua autoria, como homicídios, até seu modus operandi. Ao ser abordado não teve reação, até porque como estava com motocicleta roubada e documentos falsos com nome de Sérgio Rodrigues da Silva, a prisão foi em flagrante. A coleta de seu material genético confirmou o que a polícia tinha certeza. Era ele o autor de 22 estupros, a sua maioria em Aparecida, mas também em Bela Vista, Abadia de Goiás e Hidrolândia.“Assinatura”A PC o nominou “estuprador em série” em razão de sua forma de agir, com padrão único. Usando uma motocicleta, Wellington abordava suas vítimas em horários de baixa luminosidade, na madrugada e à noite, com uma arma de fogo. Ele nunca tirava o capacete e logo pedia o celular e retirava o chip. A partir daí levava as mulheres, sozinhas ou acompanhadas, para um local ermo. “Ele sempre demonstrava dominação. As vítimas eram colocadas de quatro, o que impossibilitava o contato direto. Isso dificultou a identificação das características faciais”, detalhou a delegada.A titular da Deam de Aparecida contou também que Wellington tinha outra “assinatura” dos seus crimes de estupro. “Ele sempre perguntava se a vítima tinha marido ou namorado e pedia para fazer comparação com seu órgão sexual”. Conforme Ana Paula, a análise psicológica a que foi submetido demonstrou que ele tem plena consciência dos atos que cometeu e os descreve como algo normal.Integrante da força-tarefa, o delegado Carlos César Leverger chamou Wellington de “indivíduo fantasma”. O acusado não tinha endereço fixo, não movimentava contas bancárias, só utilizava veículos sem procedência. Embora tenha se apresentado como servente de pedreiro, ele não tinha uma profissão definida.Nos últimos anos vivia, conforme a delegada, “fazendo gambira, comprando e vendendo celulares roubados, inclusive os que subtraia de suas vítimas”. Ele foi casado três vezes no Mato Grosso e é pai de cinco filhos. Em Aparecida de Goiânia, sua companheira, mãe de uma menina de três anos, ficou estarrecida. “Ela jamais imaginou que aquele era o homem com quem vivia.” Caso será tema em congressoO caso do “estuprador em série” será apresentado no 25º Congresso Nacional de Criminalística que será realizado este ano no Centro de Convenções de Goiânia, de 1º a 4 de outubro.Coordenadora do Laboratório de Biologia e DNA Forense da Polícia Científica de Goiás, Laryssa Silva de Andrade Bezerra, uma das integrantes da força-tarefa, considera que este um fato digno de compartilhamento com colegas de outros Estados. “Para nós é de grande importância porque conseguimos identificar vítimas desde 2008, muito antes da criação do nosso Banco de Perfis Genéticos, que surgiu em 2015”.O que levou os profissionais da Polícia Científica a desconfiar de que algo estava errado é de que ao rever material antigo para inserir no Banco de Perfis Genéticos eles foram se deparando com vestígios semelhantes de material biológico em crimes praticados, mas sem uma autoria. “Quem era o dono daquele DNA? Isso começou a chamar a nossa atenção pelo número de vítimas, por isso reportamos à Polícia Civil”. Laryssa comemora o trabalho feito em parceria com a PC e não tem dúvidas de que a partir de agora ele será intensificado. A obrigatoriedade da identificação do perfil genético de condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, está prevista desde 2012. O Brasil conta hoje com uma rede integrada de Bancos de Perfis Genéticos que alimentam um Banco Nacional. O objetivo é compartilhar e comparar perfis genéticos na apuração de crimes. Vítima de 16 anos se suicidouAlguns dos casos identificados pela força-tarefa chocaram os investigadores. Na noite de réveillon do ano passado, em Aparecida de Goiânia, uma menina de 12 anos estava com os pais na igreja, a uma quadra da casa da família. Com frio, ela decidiu buscar uma blusa, foi quando Wellington Ribeiro da Silva a abordou. Levada para um local ermo, a garota foi estuprada com requintes de crueldade. Em outro caso, uma adolescente de 16 anos desenvolveu grave quadro depressivo após ser estuprada e cometeu suicídio. Segundo a delegada Ana Paula Machado, Wellington não se intimidava quando a vítima estava acompanhada. Em muitas situações ele obrigava o acompanhante masculino a se virar e cometia o crime na presença dele. Houve um caso em que o acusado obrigou uma família inteira a acompanhá-lo até um local ermo. Mãe e filha, adolescente, foram estupradas na presença do pai e do irmão da menina que foram amarrados.Wellington é condenado no Mato Grosso a mais de 47 anos de prisão por um triplo assassinato que ficou conhecido como Chacina de Monte Líbano em alusão a um bairro de Rondonópolis. O caso aconteceu em 1997 quando, segundo as investigações, Wellington liderava uma quadrilha que praticava assaltos e homicídios. Ele desconfiou que sua companheira, Luzia Pereira da Cruz, estava repassando informações à policia e decidiu matá-la. Na casa da vítima, ele não só degolou a mulher, como também seus dois filhos, de 10 e 3 anos. Wellington não era o pai das crianças.Quando foi condenado, Wellington estava em Goiânia, onde em 2011 foi preso por ter roubado e estuprado uma mulher no Jardim Ipanema que estava com um bebê de cinco meses em quem fez sexo oral. Em 2013 fugiu da penitenciária no Matro Grosso e foi para o Mato Grosso do Sul e em 2014, retornou a Goiás. “É por isso que entre 2011 e 2014 não temos vítimas positivadas aqui”, explica a delegada. Os investigadores disseram que no Mato Grosso Wellington tem condenações que somam mais de 50 anos de detenção, entre elas por estupro.-Imagem (Image_1.1890814)