Desde os tempos mais nebulosos, persiste uma implicância entre a espécie humana e certos vegetais. Aliás, segundo a Bíblia, essa implicância teria começado por Deus quando, ainda no jardim do Éden, avisou a Adão e Eva que todas as plantas eram boas. Menos a árvore do conhecimento do Bem e do Mal. E preveniu-os de que, quem de seu fruto comesse, cairia em pecado. Tentada por uma jararaca, Eva não teria resistido e comeu do fruto. Foi aí que começou a degringola da espécie que, além de carregar os sofrimentos animais, teria de se sujeitar a mais esse, de natureza mística.A verdade é que nossa implicância com as ervas daninhas, acompanha-nos desde sempre. Ainda no contexto da cristandade, Jesus avisa-nos que precisamos ficar atentos e fala-nos, em forma de parábola, que o Reino do Céu é semelhante a um homem que semeou boa semente de trigo, em seu campo, mas, quando dormiu, veio o inimigo e semeou o joio entremeio. Assim, viver na graça consiste em separar o joio do trigo.Na prática, todo agricultor sabe que seu maior trabalho provém do combate à erva daninha. Semeia-se o arroz e, como se por obra de algum inimigo, logo prorrompem os fiapos de timbete, tentando sufocar a plantação. Planta-se o milho e, junto aos primeiros brotos, já se veem a trapoeiraba, a corda-de-viola, guanxuma, caruru, fedegoso, malva e até a terrível roseta-de-espinhos, para competir com o plantio. Planta-se a grama, com a terra fofa e adubada e, antes mesmo que o capim sobressaia, lá vem o mata-pasto com suas folhas regateiras, sugando o adubo e abafando a pastagem.Não é diferente para quem se dedica à jardinagem, profissional ou amadora. Maior do que os cuidados com o preparo, são os manejos de cultivo. Caso contrário, as ervas daninhas invadem, com sua fúria por espaço. Em pouco tempo, o que era para ser um belo jardim, transforma-se em simples urzedo.Há tempos, imagino um jardim formado apenas de ervas daninhas, aplicados os princípios do paisagismo e da jardinagem. Seria uma opção mais barata, bonita e exótica. Existem ervas daninhas de uma beleza extraordinária, mas, talvez por implicância, não aprendemos a admirá-las. Elas são mais resistentes ao estresse hídrico, seja por excesso ou por carência, além de exigirem pouco da nutrição do solo. Suas floradas são fartas e furiosas, eclodindo uma na cola da outra.Agora recente, vivi uma experiência que me convenceu ainda mais de romper com velhos dogmas e implantar um jardim de ervas daninhas. Uma touça de cróton multicolorido, num vaso, no pequeno jardim da sacada, foi cruelmente afetada pela praga de pulgões e cochonilhas. Pulverizei um defensivo, que me disseram ser o adequado, mas a praga não cedeu. Bati um remédio caseiro, fumo de rolo com detergente e água, o cróton não resistiu e acabou morrendo. Durante o processo que levou a planta ornamental a óbito, foi crescendo, entre os galhos definhados, um exemplar vistoso de assa-peixe, uma vareta apenas, sem se importar com as pragas nem com meus defensivos desastrosos.Retirei a planta morta, com cuidados para não afetar as raízes nem a haste da erva crescente. Coloquei o vaso atrás de uma vidraça fosca, de forma que, de dentro da sala, pudesse observar seu vulto e assim acompanhar o desenvolvimento, sem maiores esforços, já que a erva sobrevive em solo degradado e a água do sereno ou da chuva, quando há, lhe é suficiente.Não demorou para que ela me apresentasse um encanto extra. O vento, ao bater no vidro, no encontro com a pilastra, forma uma turbulência que resvala no assa-peixe. A plantinha, como por gratidão vegetal a meu gesto de protegê-la, executa uma coreografia alegre, complexa e graciosa, que nenhuma bailarina de carne e osso conseguiria executar. Estou muito feliz com os primeiros passos do meu jardim suspenso de ervas daninhas. Só espero que a Bíblia não tenha um castigo reservado para tamanha desobediência e transgressão.