O que ele fala parece ser muito duro. Provoca risos, mas também lágrimas. Psicólogo clínico, escritor e fenômeno nas redes sociais, Rossandro Klinjey ganhou fama ao tocar em um tema controverso nos dias atuais: a educação dos filhos.É dele o polêmico termo aborto afetivo, que é quando pais e mães abrem mão da educação dos próprios filhos com consequências devastadoras para ambos. Para uma plateia atenta, Rossandro falou na quarta-feira, em Goiânia, na estreia do projeto Vitrine do Conhecimento, do Instituto Flamboyant.Ele alertou pais e educadores sobre como serem exemplos no processo de formação de seres melhores, tema de seus vídeos no canal do YouTube que tem milhares de visualizações. Antes da palestra, Rossandro, autor do livro Help! Me Eduque (Ed. Intelitera), conversou com a reportagem do POPULAR.O que é o aborto afetivo?É quando você tem um filho fisicamente, ou seja, você o coloca no mundo, mas todos os outros papéis comuns a um pai e uma mãe, de educar moral e emocionalmente, de criar caráter, desenvolver personalidade, preparar para a vida e fazer suportar sofrimento, são negligenciados. Se os pais não cumprem isso, estão cometendo um aborto afetivo. Qual a principal consequência?Você vai criar uma pessoa com a incapacidade de viver e sobreviver às angústias e dores do mundo. Por exemplo, acabou o namoro, vai querer se matar ou ferir o outro. É impulsiva, está sempre correndo risco porque não tem medida de consequência. Eu comparo a vida com um celular. Não basta ter o aparelho, tem de baixar os aplicativos. Quem não tem essa boa formação, vai viver cheio de lacunas. Há uma crise de autoridade entre pais e mães?Infelizmente. Há uma crise completa fruto de uma geração que confundiu autoridade com autoritarismo. Não querendo ser autoritários, pais e mães acabam perdendo a autoridade. Como a criança precisa para a formação de sua personalidade de figuras de autoridade, preferencialmente os pais ou cuidadores, quando estes não cumprem seus papéis, a criança fica em um nível de carência que tenta suprir. Como não tem maturidade, nem idade, acaba virando déspota da própria família. Como trabalhar limites para essa nova geração que parece ser mais difícil de se educar?Na verdade, não é algo geracional. Conheço jovens e crianças que são muito bem educados. A culpa estaria nos pais, que deixaram de cumprir o papel que os seus próprios pais cumpriram com eles. O que muda de uma geração para outra são as questões tecnológicas, mas as emoções são as mesmas desde o início da humanidade. Como o senhor acha que essas crianças sem limites de hoje tratarão seus pais no futuro?Aí é que vem a conta. Quando você não ensina ao seu filho o que é ser filho, ele não vai aprender nunca. No momento que precisar que ele devolva um pouco do cuidado e carinho, não vai conseguir. Não estamos morrendo jovens. Estamos envelhecendo com necessidade de amparo e apoio. Ao ser omisso afetivamente, não educar seu filho para cuidar, respeitar e amar, no momento em que estiver vulnerável, não vai ter apoio e isso vai provocar muita infelicidade. Quais são as queixas mais comuns que o senhor ouve de pais e mães?Tem dois tipos de pais. Aquele que agradece pelo que está ouvindo e diz que achava que era muito duro com os filhos, mas percebeu que está no caminho certo. Que entendeu que disciplina, ordem e respeito são fundamentais para a formação do caráter. O outro tipo chega culpado porque não está fazendo nada disso. Percebe que está errando e não está educando homens e mulheres de bem e isso vai ter repercussões no futuro. Mas há outros tipos de angústias comuns, como o uso excessivo de tecnologia, limites e questões da sexualidade. Os pais têm muito medo de errar. Mas sempre digo, se for para errar, que seja pelo excesso de regras e não o contrário. Por que os adolescentes têm dificuldades em demonstrar afeto aos pais?Não existe um padrão que comprove que todo adolescente entra na fase do aborrecente. Isso tem muito a ver com a criação. Mas, às vezes, há irmãos gêmeos idênticos que têm a mesma criação e um é afetuoso e o outro, não. Mas não podemos medir afeto apenas pelas demonstrações de carinho. Outra coisa: os pais têm de deixar de ser carentes porque isso provoca vulnerabilidade. Quem precisa de afeto é a criança da relação. Por que acha que os jovens saem de casa cada vez mais tarde e, quando terminam um casamento ou enfrentam qualquer dificuldade, voltam a viver com os pais?Eles não foram educados para ir para o mundo. Foram educados em uma redoma. Por que vou casar se tenho tudo pago aqui em casa e meu dinheiro é para a balada? Essa pessoas não vivem um padrão de vida real, vivem o dos pais acrescido de alguma renda própria, se tiver. Padrão de vida real é quando você passa a viver do próprio salário. Esse fenômeno não acontece só na classe média. Tem pessoas mais humildes que sustentam filhos, depois sustentam netos, e não conseguem comprar um remédio porque a aposentadoria não dá. A culpa é de quem? É daqueles que não educaram os filhos para que eles pudessem viver no mundo sem os pais. Uma alegação comum entre pais é o desejo de não cometer os mesmos equívocos que os próprios pais deles cometeram. Esse seria um acerto ou um erro?Acho que o raciocínio poderia ser inverso. As pessoas deveriam pensar em repetir os acertos que os pais tiveram na educação delas. A gente infantilmente só olha para os erros. Os pais do passado eram mais distantes, rígidos e havia pouco diálogo. Hoje, a gente tem muito diálogo, mas falta disciplina. O importante é buscar um equilíbrio entre o modelo do passado com as conquistas do presente, como a intimidade maior entre pais e filhos sem que ela comprometa a figura da autoridade. Vivemos um momento de novos arranjos familiares até pouco tempo impensáveis. Como o senhor avalia essa situação?Há muitas pesquisas sobre isso que concluem, ao contrário do que muita gente pensa, que novos arranjos também são eficientes. Isso não quer dizer que se deve abrir mão da família com pai e mãe. É sempre bom ter essas figuras clássicas com a criança. Mas muitas pessoas criadas apenas pela mãe, pai, avó ou cuidador, se receberem o que precisam, serão bem educadas. Se esse adulto fizer o que tem de ser feito, funciona. Ao passo que crianças criadas em arranjos tradicionais nos quais os pais não cumprem o papel, vão acabar sofrendo as consequências. Tem muito menos a ver com a presença física e mais com a emocional e moral. O senhor tem filho? Consegue colocar toda a teoria na prática?Há seis anos eu e minha esposa estamos tentando ter filhos. Mas meu discurso parte de dois pressupostos. Ainda não é de pai, mas é o de filho e terapeuta há mais de 20 anos. É a partir dessas perspectivas e das pesquisas. Com a experiência de ser pai, devo mudar algumas percepções, mas, no grosso, aquilo que falo é o que experimentei na minha educação com meus pais que funcionou na minha vida e na dos meus irmãos. E vejo o que não funcionou na vida de parentes meus.