As barracas improvisadas na Serra das Areias, em Aparecida de Goiânia, foram retiradas na manhã desta terça-feira (16) pela prefeitura da cidade. A desocupação de pelo menos 25 abrigos improvisados começou por volta de 8 horas e, a prefeitura retirou também a demarcação de lotes que havia sido realizada pelos ocupantes. O local é parte da Área de Preservação Ambiental (APA), mas ainda não possui regulamentação. A administração municipal diz que ofereceu cadastro para inclusão em programas habitacionais, mas ocupantes argumentam que já têm registro, porém, sem resposta. Diante da situação, eles dizem que permanecerão no local.Em nota, a prefeitura informou que “no momento da ação, que aconteceu por volta das 7 horas, não havia nenhuma pessoa na ocupação, o que comprova a conduta de mera especulação do local, que é uma Área de Preservação Ambiental, protegida por Lei Específica e, por isso, não é indicada para moradia”.Há três meses morando na Serra das Areias, Valter Pereira Ferreira, de 41 anos, conta que estava trabalhando quando recebeu a notícia da desocupação. Com uma renda mensal de 400 reais que consegue com a venda de material reciclável, ele afirma que já mora na rua há um tempo e antes de ir para esta invasão, morou por quatro meses debaixo de uma árvore. “A prefeitura disse que iria construir uma praça lá, e pediu que eu e meu amigo Absalão (de 63 anos) saíssemos de lá. Eles mesmo nos mandaram vir aqui para a Serra (sic). Hoje quando cheguei, as máquinas tinham passado em cima do meu barraco”, conta emocionado.Valter é separado, tem dois filhos e afirma que a decisão de morar no local foi tomada porque o que ele ganha com o trabalho não dá para pagar um aluguel. “Ou comer, ou pagar aluguel. Queriam me levar para um abrigo. Eu não quero abrigo, eu quero um lugar para morar, quero trabalhar, ainda sou forte”, completa.Advogado das famílias que ocupam a área, Guilherme Nunes da Mata afirmou que nesta terça-feira, a prefeitura tinha afirmado, em reunião, que daria um prazo para que as famílias saíssem do local. “Não foi estabelecido um prazo e hoje (terça-feira) quando chegaram foram derrubando tudo. Quando fui comunicado, já estavam agindo. Na última quinta-feira (11), houve uma reunião sobre a ocupação e nenhum representante dos moradores foi avisado”, afirma. As lideranças do movimento afirmam que o proprietário da área, que seria privada, estaria com vários débitos referentes a impostos municipais.Procurador do município, Fábio Camargo diz que, além de ser APA, a área invadida é parte privada e parte pública. O proprietário da parte privada realmente teria débitos referentes a ao Imposto Territorial Urbano (ITU). No entanto, ele diz que a questão estaria em negociação com a prefeitura, pois o proprietário se sente prejudicado pelo fato de a propriedade ter se tornado APA.Fabiana Torres, de 30 anos, está desempregada. Mora de aluguel e afirma que está sendo despejada. Mãe solteira e com dois filhos, ela diz que havia um combinado de não desmatar o local, não capinar, nem derrubar árvores. “Hoje (terça-feira) de manhã , entretanto, a prefeitura chegou derrubando não só os barracos, mas também as árvores que estavam aqui. Este local é cheio de entulho há anos e nunca limparam. É usado como desova de corpos. Aí vêm falar com a gente sobre cadastro para moradia. Estou na lista há mais de sete anos, minha mãe há 10 anos, e nossa casa ainda não saiu”, indigna-se.O loteamento improvisado começou a ser montado há aproximadamente um mês. Reportagem do POPULAR esteve no local na última sexta-feira e ouviu dos ocupantes que eles tinham cadastro para conseguir moradia por meio de programa habitacionais. Líderes da mobilização falavam em 200 famílias. Vários estudos técnicos apontam que a área é importante espaço de recarga da Bacia Hidrográfica do Meia Ponte.EVENTUAL NEGLIGÊNCIA SERÁ APURADARepresentantes da Secretaria de Assistência Social de Aparecida de Goiânia afirmaram que o cadastro dos ocupantes da área foi realizado e que alguns deles se recusaram a ir para abrigos, por exemplo. Em alguns casos, será apurada, inclusive, se há negligência por parte de filhos dos moradores do local, que estariam em situação de abandono. Um dos casos envolve o casal Manoel Marques Ferreira, de 67 anos, e a esposa Domingas Bina de Rosa. Os dois tomam remédios controlados e moram em uma residência que foi ocupada pela irmã de Manoel há mais de 30 anos.Superintendente da Defesa Civil de Aparecida de Goiânia, Juliano Cardoso trabalha no local há mais de 20 anos e conta que o cunhado de Manoel era conhecido como capitão do mato. “Ele morou aqui por mais de 30 anos e morreu há uns cinco anos. Ele avisava sobre princípios de incêndio, desmatamento, era uma espécie de guardião do local. Nunca desmatou nada e foi ficando aí. Manoel veio depois. Agora, 90% dos invasores têm residência própria, soubemos que um deles é dono de supermercado, outro dono de um pesque e pague. Os casos não podem ser avaliados da mesma forma”, pontua o superintendente.Manoel conta que morava de aluguel com a esposa. Quando o cunhado morreu e a irmã adoeceu, o convidou para morar com ela. À espera da aposentadoria, ele mostra as sacolas de remédio que toma diariamente e, mostrando as galinhas do quintal, afirma que ama o lugar, mas quer apenas um lugar digno para sobreviver. Questionado sobre os filhos, ele diz apenas que “ajudam a comer tudo que eu tenho”. “Eu tomo Rivotril desde os 14 anos, minha esposa é analfabeta, não sabe a própria idade e não temos mais com quem contar. Eu só quero um lugar para morar e não precisa ser aqui”, finaliza.AdvogadoCada morador do local seria obrigado a pagar uma taxa fixa de 150 reais ao advogado, correspondente aos honorários do profissional. Guilherme Nunes defende que o local é uma área devoluta e não de preservação ambiental. O dinheiro arrecadado seria para retirar a certidão da área no cartório, que teria um valor estimado em R$ 5 mil. Ele também entrou com ação pedindo que a prefeitura indenizasse as famílias em caso de desocupação.Ocupação estava localizada na zona rururbana de 577,61 hectares da APA Serra das Areias, local que, segundo zoneamento, não permite habitações de elevada densidade habitacional e empreendimentos de grande porte.-Imagem (1.1641536)