As insatisfações de clérigos e leigos da Diocese de Formosa (280 km de Goiânia) com relação à falta de transparência com os gastos da igreja já seria alvo de investigação por um visitador apostólico, que é um representante do papa numa missão rápida para avaliar alguma irregularidade. Um mês antes da deflagração da Operação Caifás, em 19 de março deste ano, o nome do arcebispo de Uberaba, d. Paulo Mendes Peixoto, que é o atual administrador apostólico na Diocese do Entorno do Distrito Federal, já havia sido indicado para a função.Antes da operação, ele deveria ir à cidade goiana para ouvir tanto o bispo d. José Ronaldo Ribeiro, que está afastado desde março, quanto os outros padres, que atuam ou não, na administração da Cúria. O arcebispo também deveria ouvir leigos e fiéis para entender o que se passava. Depois disso, ele deveria confeccionar um relatório para enviar para a Congregação dos Bispos, que analisaria o documento para definição. Caso não houvesse essa conclusão, o caso seria levado à Nunciatura Apostólica.Mas antes mesmo de d. Paulo atuar como visitador o caso foi exposto em denúncia do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) e, no lugar de vir com a função de ouvir os insatisfeitos, o arcebispo foi nomeado como interventor. Ele deve permanecer no cargo, dividindo suas atenções entre as duas dioceses (Formosa e Uberaba) até que d. José Ronaldo volte para o cargo ou, caso ele seja impossibilitado, seja nomeado um novo bispo.O atual vigário geral que assumiu a Diocese de Formosa, padre João Manoel Lopes, de 34 anos, foi uma das testemunhas listadas pelo MP-GO para audiência de instrução que teve início na manhã desta segunda-feira (10). Ele foi ouvido por quatro horas e meia e respondeu às perguntas dos promotores Douglas Chegury e Fabiana Balbinot e dos 11 advogados de defesa dos 11 acusados no processo. Ele, entre outras afirmações, disse que desde que o bispo d. José Ronaldo assumiu a Diocese, em 2015, muitas obrigações fiscais deixaram de ser feitas. Antes de ser vigário geral, ele trabalhou nas finanças da Cúria.Ele confirmou, por exemplo, o aumento do valor pago pelas contas da casa episcopal desde que d. José assumiu. Passando de valores entre R$ 3 e R$ 5 mil para cerca de R$ 30 mil. Ele disse, no entanto, que não sabe informar o motivo do aumento, mas que certamente seria por conta do número de pessoas que moravam na casa. Além do bispo, cerca de outras 10 pessoas morariam no lugar. Essas pessoas são chamadas de “filhos” pelo religioso e ele diz que realiza “trabalho social” com os mesmos, não sendo especificado qual seria esse auxílio.Outro padre que foi ouvido na audiência desta segunda-feira foi Jarbas Gomes Dourado. Ele é especialista em Direito Canônico e foi bastante questionado sobre o assunto. Entre suas afirmações, o pároco disse que o estopim para o escândalo foi uma denúncia realizada no Facebook que passou a ser motivo de burburinho entre religiosos e fiéis e a consequente exposição na mídia. “Quando o arcebispo (d. Paulo) chegou como administrador apostólico, nos disse que havia muita insatisfação por parte dos padres e fiéis”, afirmou.O padre entende que não haveria a necessidade do caso chegar a esse ponto. “Cada diocese tem a sua câmara eclesiástica ou tribunal eclesiástico. (...) No nosso caso, fica em Brasília. Nossa diocese é considerada uma das que não tem grandes problemas. Não sei como isso foi acontecer”, declarou.Juiz eclesiásticoA decisão de chamar um juiz eclesiástico, no caso o padre Tiago Wenceslau, para atuar como intimidador de possíveis padres que estivessem realizando as denúncias também foi explorado pela acusação e defesa durante o depoimento. Os dois padres ouvidos formalmente no Fórum de Formosa durante a segunda-feira confirmaram que Wenceslau chegou com tom de coibição dos padres.Em uma primeira reunião realizada com os padres de Formosa ele teria questionado quem ali estaria a favor da igreja e afirmou que se a pessoa estivesse com a igreja estaria com d. José Ronaldo Ribeiro. Nessa reunião ele teria informado que faria uma avaliação das contas para, posteriormente, conversar com os clérigos. Depois de três dias úteis ele apresentou um relatório de quatro páginas que trata da análise dos balancetes de entre 1 de janeiro até 30 de novembro de 2017 e que conclui que tudo estaria dentro do “normal”.O documento, a que O POPULAR teve acesso, informa que foi realizada a conferência e exames de operações e registros bancários, documentos fiscais, recibos, cheques, entre outros documentos de 33 paróquias que mantêm completa autonomia de gestão de bens e recursos e que “da minuciosa e prolongada investigação sobre a contabilidade da Diocese, cujo relatório foi revisado e retificado”, é possível afirmar que as denúncias nos meios de comunicação contra o bispo são “calúnias com objetivo de difamar e desacreditar” o religioso.Padre Jarbas Gomes Domingos afirmou em depoimento que a postura de padre Tiago foi intimidadora diante de alguns padres. “Ele chegou falando que poderia excomungar pessoas que estivessem falando ou fazendo algo contra o bispo e ele não tem esse poder”, afirmou. O padre Jarbas também disse que não teve mais informações sobre o assunto porque um colega em comum comentou que o padre teria mesmo esse perfil “intempestivo”, mas que seria “boa pessoa”.Defesa nega crime, e cita possível equívoco de gestão “A linha que a defesa dos religiosos segue neste processo é muito clara. Qualquer leitura dos atos praticados pelos párocos são pontuais e ocorrem no exercício da função religiosa, na esfera da igreja. No que se questiona sobre a vida particular, ficou claro a licitude dos atos. O patrimônio particular dos padres nada tem a ver com a igreja. Se houve uma prática inapropriada é para se corrigir no âmbito da igreja. Se ocorreu um equívoco de gestão não podemos entender que houve crime.”Essa é a fala do Bruno Espineira, que defende os cinco padres acusados de desvio. Os outros advogados foram contatados mas não enviaram respostas até o fechamento desta edição.Nova dataA audiência de instrução do julgamento dos acusados na Operação Caifás, iniciada às 8h30 desta segunda-feira (10), no Fórum de Formosa, no Entorno do Distrito Federal, terá continuidade em duas outras datas. Até o momento, foram realizadas as oitivas de duas das testemunhas de acusação, listadas pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), e outras duas serão ouvidas na próxima quinta-feira (13). No dia 11 de outubro, os depoimentos das testemunhas de defesa começarão a ser colhidos.Ao todo, 10 pessoas serão ouvidas presencialmente. Outras 21 prestarão esclarecimentos por meio de carta precatória. Ao todo, serão colhidos os depoimentos de 31 pessoas. Não há previsão de término das oitivas. Operação Caifás, do MP, aponta desvio de cerca de R$ 2 milhões A Operação Caifás foi deflagrada em 19 de março deste ano, depois de três meses de investigação que partiu de denúncia publicada pelo POPULAR, em dezembro de 2017. A acusação sustenta que os acusados se juntaram para obterem benefícios financeiros em forma de apropriação indébita ou lavagem de dinheiro. Eles teriam desviado cerca de R$ 2 milhões.Os acusados são, além do bispo d. José Ronaldo Ribeiro, os padres Epitácio Cardozo Pereira, Moacyr Santana, Mário Vieira de Brito e Waldson José de Melo. Também estão na lista dos acusados o juiz eclesiástico Tiago Wenceslau, o advogado Edimundo da Silva Borges Júnior, o contador Darcivan da Conceição Serracena, o secretário da Diocese Guilherme Frederico Magalhães e os empresários Pedro Henrique Costa Augusto e Antônio Rubens Pereira. Nove desses 11 ficaram presos por 29 dias no presídio de Formosa, mas todos já estão em liberdade. Com exceção do juiz eclesiástico, os outros acusados compareceram ao fórum para se apresentarem, mas eles não permaneceram no local para os depoimentos.Uma nova audiência para ouvir outras testemunhas do caso foi marcada para o dia 11 de outubro. A expectativa é que os interrogatórios ocorram em dezembro e que o julgamento seja concluído ainda este ano.