Todos os dias o comendador José Filho acorda, toma o café habitual, corta o Centro Histórico da cidade de Goiás e abre os portões de madeira do Palácio Conde dos Arcos, próximo à Praça do Coreto. Vindo do Mato Grosso ainda criança, o senhorzinho trabalha na coordenação do museu há exatos 40 anos, quando a cidade ainda nem recebia a quantidade de turistas como hoje. Para ele, patrimônio e memória têm o mesmo significado de quando realiza as habituais visitas guiadas pelos corredores do palacete, entre as salas de jantar, os quartos bem aprumados ou os corredores decorados com quadros de ex-governadores do Estado. “Pode fazer a selfie aqui, perto do d. Marcos de Noronha, o Conde dos Arcos”, brinca.Aquela velha história de que “nunca coloque Goiás e Velho numa mesma frase perto de um vilaboense” se pauta pela constante transformação da cidade numa região que cresce e se moderniza. Basta perceber o fluxo de jovens que aportam no município para fazer graduação nos inúmeros cursos que as universidades oferecem, ou ainda o processo de interatividade entre os museus e a digitalização do acervo histórico. “A molecada tem invadido a cidade, com estudantes que pensam e refletem sobre o patrimônio e memória”, reitera.Antiga sede do governo e com uma arquitetura original barroca, o palácio Conde dos Arcos semanalmente abre os portões do jardim para orquestras e shows instrumentais, como uma forma de atrair mais turistas, moradores da região e os próprios estudantes universitários. Tudo porque a cidade passa por um intenso processo de requalificação em sua forma de tratar os espaços culturais e de patrimônio, inclusive o imaterial. José Filho, que recebeu o título de “comendador” no início do ano, junto ao de “morador vilaboense” pelos serviços prestados no museu, conta que nos últimos 15 anos houve uma maior procura de pessoas vindas de todas as partes do mundo para conhecer a história de Goiás.“É muito gratificante participar dessa preservação da memória de uma cidade tão rica, com tradição que já perpassa séculos e continua intacta no cotidiano de seus moradores, nos prédios de arquitetura vernacular ou nos mitos e histórias que as pessoas contam”, confessa o comendador, que prepara agora para se aposentar no próximo ano e já teme a saudade entre os corredores do palácio. “Aqui é uma espécie de segunda casa pra mim. Já me sinto parte da história do museu e foi o lugar que passei os melhores anos da minha vida”, revela.ProfissionalizaçãoPouco a pouco, casarões coloniais são invadidos por jovens ingressos nos cursos disponibilizados nos últimos anos na Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Estadual de Goiás (UEG) e no Instituto Federal de Goiás (IFG), com graduações que possibilitam um contato tático com o patrimônio e preservação da memória de Goiás, como Cinema, Direito e Arquitetura e Urbanismo. Nos últimos anos, a cidade passou a receber universitários que chegam em busca de uma profissionalização mais pessoal com os hábitos e costumes do município, assim como acontece em cidades universitárias mineiras, como Diamantina, Ouro Preto e Tiradentes.“O contato é direto e existe uma educação patrimonial de preservação aos bens materiais e imateriais. Numa hora estamos em sala de aula aprendendo sobre arquitetura colonial. Em outra, andamos pelo Centro Histórico e podemos ter a proximidade fiel com o que estudamos”, conta o estudante de Arquitetura e Urbanismo Leonardo Resende, 23, que se mudou de São Paulo desde o início do ano para cursar a graduação e diz estar apaixonado pela paisagem que a cidade oferece. “Tudo respira cultura, seja nos museus abertos, nas doceiras e seus preparos, na preservação das ruas de pedra. É um aprendizado vivo”, aponta.-Imagem (Image_1.1196655)