Sangue pingando do balcão, forte odor e zumbido de moscas enquanto a carne que será comprada fica sobre a mesa em temperatura ambiente. Esse não é mais o cenário de um açougue brasileiro, mas já foi um dia. “Consumidor ficou mais exigente e legislação mais rígida”, avalia o médico veterinário Irineu Batista Junior, que é auditor fiscal da Vigilância Sanitária há mais de 20 anos e conta ter testemunhado as mudanças sanitárias em comércios varejistas de alimentos.Leis definem detalhes de todo o processo de produção da carne: como deve ser construção de frigoríficos, componentes de cada tipo de embutidos, como salsichas e mortadelas, metro quadrado por animal e forma de abate para garantir bem-estar, higiene e temperatura de conservação de alimentos. No entanto, para que essas leis sejam cumpridas, é necessário fiscalização em todas as partes da produção da carne. A Operação Carne Fraca, da Polícia Federal (PF), que investiga corrupção entre fiscais do Ministério da Agricultura (Mapa), responsável pelo Sistema de Inspeção Federal (SIF), e funcionários de grandes indústrias frigoríficas do País, colocou em xeque a credibilidade dessa fiscalização e enfraqueceu a confiança do consumidor.Sem dar muitos detalhes, na última terça-feira, 21, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, reconheceu que a quantidade de fiscais do Mapa é insuficiente e que o ideal seria realizar um novo concurso público. Delator da Operação, o fiscal agropecuário federal Daniel Gouvêa Teixeira, disse em entrevista ao Fantástico da TV Globo, que falta transparência e fiscalização na indústria. Na ponta final da cadeia de produção da carne, a coordenadora de fiscalização de alimentos da Vigilância Sanitária de Goiânia, Tania Agostinho, conta que trabalha com 33 fiscais para cerca de 80 mil estabelecimentos cadastrados. “A conta não fecha hoje”, lamenta a coordenadora, que afirma priorizar estabelecimentos que apresentam risco sanitário iminente e alvos de denúncias, já que não é possível realizar uma fiscalização ampla. O órgão é responsável por fiscalizar comércios de alimentos dentro do município.Mesmo com alcance de monitoramento baixo, a Vigilância vem encontrado irregularidades nos locais fiscalizados. Só esse ano foram notificadas 81 empresas por falta de cursos de manipulação de alimentos para os funcionários, 20 por falta de limpeza e higiene adequada e três por armazenarem produtos em locais com temperatura acima do permitido. Irregularidades mais comuns costumam ser falta de conservação, falta de procedência e prazo de validade vencido (veja quadro).A situação fica mais complicada para o consumidor quando a irregularidade na carne só é percebida após análise em laboratório. Programa de monitoramento da qualidade de alimento coordenado, em Goiás, pela Superintendência de Vigilância em Saúde (Suvisa), colhe amostras de alimentos industrializados nas prateleiras para análise que confere presença microbiológica e composição do produto. Enquanto a presença de microorganismos pode ter relação com a má conservação do produto, a composição pode representar uma irregularidade na fabricação do alimento. Entre as comidas que estão sendo monitoradas atualmente estão hambúrgueres e empanados. No ano passado foram encontradas irregularidades em salsichas e linguiças fabricadas no Estado. A Suvisa não permitiu que a reportagem tivesse acesso à lista com as empresas suspeitas, mas afirmou que a maior parte dos problemas (entre os produtos com irregularidades, que seriam minoria) são erros de rotulagem, que é quando faltam informações no rótulo. Nos casos de falha na composição, há exemplos em que a amostra não tinha a quantidade de sódio informada na embalagem.A composição irregular dos ingredientes pode fornecer risco à saúde do consumidor. Algumas substâncias, como o nitrato e nitrito, são tóxicas se adicionadas acima do limite permitido. Os laudos dos exames que constataram irregularidades são enviados para o Mapa, que é responsável por acionar as empresas responsáveis. No entanto, existe um período entre a descoberta do erro e a retirada do lote do alimento impróprio do mercado, já que a indústria pode solicitar contrarresposta.