Professora doutora em Geografia e pesquisadora em imaginário da cidade e memória coletiva, Valéria Cristina Pereira da Silva coordena estudo desenvolvido pelo Instituto de Estudos Socioambientais (IESA) da Universidade Federal de Goiás (UFG) sobre mudanças ocorridas em Goiânia, Belo Horizonte e Brasília. A pesquisa tem como foco a preservação do patrimônio histórico e a cultura das cidades.Para Valéria, o poder público tem a capacidade de determinar o valor dos lugares, mas isso é feito, na maioria das vezes e das cidades, de forma arbitrária, sem ouvir especialistas ou a população.O resultado disso é a construção de espaços que não são afetivos ao cidadão, ao contrário do que já havia antes. Assim sendo, a pesquisadora explica que é a sociedade quem deve definir o valor dos lugares, mesmo que muitas vezes o poder público faça algo sobre um valor e a população dá outro significado àquele lugar.“É preciso ouvir estudiosos e a população, saber como é aquela história, sua relevância, mas também não pode se tornar, como se diz, um museu sem movimento, ou seja, manter coisas que não dizem nada”, reforça a professora. A cidade é vista como sempre em movimento, mas isso também faz perder coisas de relevância histórica de algum jeito. Como fazer essas coisas coexistirem?É preciso ter uma política que consiga compreender os bens simbólicos da cidade. É claro que sempre vai existir uma composição entre o novo e o velho, mas é possível estabelecer como vai ser essa coexistência.Quando houve a retirada da Praça do Relógio, no Jardim Goiás, houve muita discussão, inclusive na gestão passada da Prefeitura, de que lá não era nem uma praça. Como fazer com isso?A Praça do Relógio, além da beleza que tinha, tinha muita afetividade. Uma geração de pessoas que passavam naquela região sabiam de sua existência, olhavam, admiravam. Goiânia é uma cidade nova, no Brasil, normalmente, se entende como cidade histórica aquelas que tem mais de 100 ou 150 anos. Mas há coisas marcantes. O Monumento ao Trabalhador, na Praça do Trabalhador, foi totalmente destruído, por exemplo, não há qualquer vestígio e se destruiu todo o significado dele.Como saber que um lugar, um prédio, uma coisa tem esse valor para a sociedade?É a população quem define isso. Mas o problema é que não se escuta a população e nem especialistas. Poderiam ter feito isso com a Praça do Relógio, por exemplo. As coisas que merecem permanecer não são só aquelas nobiliárquicas, com grandes revestimentos, valoração imobiliária ou arquitetônica.Na antiga Avenida Araguaia havia a representatividade do verde no trecho que hoje é um túnel. Isso também é relevante para se manter?Na minha pesquisa, eu falo muito da questão das cores em Goiânia, em que há muito de representatividade do vermelho, amarelo e verde, até pela arborização, mas não se leva isso em conta. Há muitos monumentos transformados também, como aquele aos Desaparecidos na Ditadura. Antes ele era no solo e todo amarelo, as pessoas poderiam entrar nele, interagir. Aí deixaram todo escuro e colocaram ele no alto, falando que estava servindo de moradia, então, mudaram tudo.O que foi relevante em certa época pode ter dado espaço a outra coisa que se torna relevante nessa nova época. Como saber então o que deveria permanecer?Às vezes o poder público faz algo pensando em um valor, mas as pessoas dão outro significado. É preciso ouvir estudiosos e a população, saber como é aquela história, sua relevância, mas também não pode se tornar, como se diz, um museu sem movimento, ou seja, manter coisas que não dizem nada. Tem que fazer estudos, ouvir a população.Não temos conhecimento, em Goiânia, de que a população seja ouvida nessas situações.Os mecanismos de gestão das cidades também são ligados ao mercado imobiliário, por exemplo. Retira-se a questão da memória e usam dessa prerrogativa até para favorecer esse mercado. Mas esquecem que a cidade pode ser um espaço de aprendizado constante, de educação e cultura.Para os imóveis privados, falam que um tombamento é prejudicial para o valor, que não se consegue mais vender o local. Isso é verdade?O valor é uma moeda de dois lados e isso depende muito. Pode convergir para valorizar ou diminuir, depende do uso, do local, da época. Mas o poder público também pode negociar esses espaços para mantê-los, claro que a um preço razoável, porque há uma elevação do valor para o proprietário quando se sabe que é interesse do governo ter aquele espaço.